“É possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões." (Dostoievski, em Crime e Castigo)

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

CRÔNICAS FORENSES O JURADO

Advogado Criminalista, é co-autor doCódigo Penal Comentado e das Leis Penais Especiais Comentadas, e autor dos livros de crônicas Causos Criminais e Momentos de Paraíso - memórias de um criminalista, o primeiro pela Editora Saraiva e os demais pela Editora Renovar


Nos Tribunais do Júri os juízes presidentes organizam anualmente, através de consultas a orgãos de classe, sindicatos e repartições públicas, a lista dos jurados.

Dessa lista, para cada julgamento são sorteados vinte e um, dos quais, no dia da sessão, devem estar presentes pelos menos quinze jurados. Destes são sorteados sete, podendo a acusação e a defesa recusar, cada uma delas, três, sem precisar dar o motivo da recusa.

No antigo, e então único, Tribunal do Júri de São Paulo, seu Igreja era um dos jurados mais antigos. Funcionário público, tinha grande prazer em ser convocado; o dia não era descontado do "hollerit" e ele podia fazer o que mais gostava: julgar os crimes dolosos contra a vida.

Tornou-se um jurado profissional.

Condenador implacável, era adorado pelos promotores, que sempre o aceitavam, e detestado pelos defensores, que, quando conseguiam, nunca deixavam de recusá-lo.

Certa feita, estava sendo julgado um rapaz de 19 anos, acusado de homicídio simples.

Iniciados os debates, a acusação sustentou ser ele o autor do crime, enquanto a defesa negava a autoria. Mas em um ponto, o promotor e o advogado concordaram: sendo o acusado maior de 18 anos, mas menor de 21 anos, era, por lei, obrigatório o reconhecimento da atenuante da menoridade, que amenizaria a pena a ser eventualmente aplicada.

Na sala secreta, os jurados, por unanimidade (7 x 0), reconheceram a autoria.

Prosseguindo com a votação, o juiz presidente explicou aos jurados que, agora, iriam votar a atenuante da menoridade, sobre a qual                - lembrou -  não havia qualquer dúvida: era só responder "sim".

Recolhidas as cédulas de votação, a menoridade foi reconhecida por seis votos a um. Estranhando o voto contrário, o juiz disse que iria repetir a votação, pois certamente algum jurado se enganara.

Repetiu a votação, e o resultado se confirmou: só seis jurados reconheciam a menoridade; o sétimo insistia em não reconhecê-la.

O juiz decidiu, então, prolatar a sentença condenatória, encerrando o julgamento.

Antes de dispensar os jurados, curioso com o que ocorrera, quis saber qual o jurado que votara contra, pois já não havia mais o sigilo das votações.

Foi aí que seu Igreja, muito orgulhoso, informou ter sido ele, esclarecendo que, mesmo contra o que o Código Penal previa, não aceitava a atenuante da menoridade, por não achá-la justa.

Com o decorrer do tempo, o veterano jurado piorou, passando a condenar mesmo nos poucos casos em que o Ministério Público pedia a absolvição.

A partir de então, "seu" Igreja, para sua decepção, começou a ser recusado pela própria Promotoria e, no ano seguinte, deixou, pela primeira vez, de integrar a lista de jurados...

Jornal Carta Forense, quarta-feira, 3 de maio de 2006

Nenhum comentário:

Postar um comentário