Erros de identificação de suspeitos por testemunhas é a principal causa de condenações injustas nos Estados Unidos. Respondem por 75% dos casos de pena de prisão aplicada a inocentes, enquanto os verdadeiros culpados permaneceram nas ruas, conforme é esclarecido tardiamente — muitas vezes depois da pena cumprida — por exames de DNA, segundo o site do Instituto Nacional de Justiça dos EUA.
Na semana passada, a Suprema Corte de Nova Jersey reformulou as regras de reconhecimento de testemunhas. Entre outras medidas, recomendou modificações no velho método policial de perfilamento de suspeitos e sanções a investigadores que exerçam pressão, mesmo que sutis, ou mesmo influência sobre as testemunhas prospectivas, no procedimento de identificação de suspeitos, noticiou o jornal The Boston Globe.
"Um dos problemas com o atual sistema de reconhecimento de suspeitos é que, uma vez que a polícia obtém uma identificação por testemunha, ela tende a abandonar a busca por outros suspeitos, porque se concentra em provar a culpa do ‘acusado’, mesmo que a pessoa não tenha cometido qualquer crime", diz o site do Innocence Project.
A Suprema Corte de Nova Jersey prefere o reconhecimento de suspeitos por fotos. Mas, em qualquer dos casos, recomenda que o procedimento policial de identificação de suspeitos por testemunhas siga padrões mais apropriados, como: 1) que o possível suspeito e as demais pessoas mostradas à testemunha para o reconhecimento sejam apresentados um por vez; 2) que esse trabalho seja executado por alguém do departamento de política que não tem nada a ver com o caso (e que não saiba quem é o suspeito). A falha em cumprir essas recomendações justifica a aplicação de sanções aos investigadores.
A ideia de que a memória humana é falível e influenciável vem gradualmente ganhando força nos meios policiais e já está mais consolidada nos meios jurídico-científicos, diz o The Boston Globe. "Décadas de estudos comprovam que a memória humana pode ser influenciada ou mesmo alterada. Há vários casos que também demonstram isso", diz o site do Innocence Project.
"Mais de 200 pessoas já foram condenadas injustamente por erro de reconhecimento de suspeitos", diz o site do Instituto Nacional de Justiça. "Estudos científicos revelaram que, nos Estados Unidos, ocorrem mais de 75 mil identificações de suspeitos por ano, um terço das quais são incorretas", diz oThe Boston Globe. O jornal diz que os tribunais de outros estados devem adotar as mesmas regras e a questão será examinada pela Suprema Corte dos EUA, em novembro.
As pesquisas do Innocence Project mostraram que:
- Mais de 230 pessoas, presas por 12 anos, em média, foram colocadas em liberdade depois de testes de DNA e, em 75% das condenações injustas (de 179 indivíduos nesse levantamento) foram devidas a erros de identificação de suspeitos; (no que se refere a provas de DNA, o site diz que esses testes não ajudam em mais do que 5% a 10% dos casos de condenação injusta);
- Em 38% dos casos de identificação errada, o suspeito inocente foi reconhecido por mais de uma testemunha;
- Nos casos examinados, mais de 250 testemunhas identificaram erradamente suspeitos inocentes;
- Dos casos de erro de reconhecimento, 53% das identificações falsas, em que a raça do suspeito era conhecida, as testemunhas tinham problemas de "cross-race effect" – isto é, dificuldades de reconhecer pessoas de outra raça;
- Em 50% dos casos de erro de reconhecimento, a prova testemunhal foi a evidência central usada contra o acusado (sem outras evidências corroborativas, como confissões, ciência forense e testemunho de informantes);
- Em 48% dos casos, em que o verdadeiro criminoso foi identificado mais tarde, através de testes de DNA, o perpetrador voltou a cometer crimes (estupro, assassinatos e tentativas de ambos, etc.) e foi condenado por eles, depois de a pessoa inocente haver passado anos atrás das grades.
De acordo com o The Boston Tribune, a decisão da Suprema Corte de Nova Jersey "foi fortemente endorsada por pesquisas científicas, que apontaram as imperfeições do atual sistema de reconhecimento de testemunhas". Segundo o Innocence Project, as reformas propostas por estudos científicos, aprovadas pelo Instituto Nacional de Justiça e pela American Bar Association (ABA — a Ordem dos Advogados dos EUA), entre outras organizações jurídicas, recomendam:
- Apresentação duplo-cega — o perfilamento de suspeitos ou a apresentação de fotos deve ser um trabalho executado por um administrador que não saiba quem é o suspeito;
- Composição do perfilamento — a aparência dos "convidados" (pessoas não suspeitas, incluídas no perfilamento) deve corresponder à descrição do suspeito; o suspeito não pode ficar em posição de destaque; não pode haver mais de um suspeito no perfilamento;
- Instrução à testemunha — a testemunha ocular prospectiva deve ser informada de que o suspeito pode não estar incluído no perfilamento; e que a investigação vai continuar independentemente da possível identificação da testemunha;
- Declaração de confiança — feito o reconhecimento, a testemunha prospectiva deve fornecer uma declaração, em suas próprias palavras, sobre o nível de confiança que deposita em seu reconhecimento;
- Gravação — todos os reconhecimentos de suspeitos devem ser gravados em vídeo, para serem vistos posteriormente por advogados, promotores e jurados no tribunal;
- Apresentação sequencial (opcional) — os membros do perfilamento podem ser apresentados um a um (por um administrador duplo-cego), em vez de lado a lado.
"Nenhum tribunal nos Estados Unidos, até hoje, havia levado esse tópico tão a sério, como o fez a Suprema Corte de Nova Jersey", disse ao The Boston Tribune o professor de psicologia da Universidade Estadual de Iowa, Gary Wells, especialista em reconhecimento de testemunhas e autor de muitos artigos sobre o tema. Mas, muitos departamentos de Polícia do país ainda usam os velhos métodos e terão dificuldades para implantar as novas medidas, diz o The Boston Globe.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 29 de agosto de 2011
Fonte Conjur
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