“É possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões." (Dostoievski, em Crime e Castigo)

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Preliminar Da adequação da sala de audiências ao processo acusatório


Compartilhamos com os colegas advogados que atuam perante a Justiça Federal uma peça gentilmente cedida pelo Dr ANTONIO ROVERSI JÚNIOR Defensor Público Federal, que questiona a disposição cênica da sala de audiências para que encampem o movimento pela repersentação de um processo penal democrático e acusatório.





EXMO.(A) SR.(A) JUIZ(A) FEDERAL DA 5ª VARA CRIMINAL DA 1ª SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO



Autos n° 



A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, na defesa dos interesses de --------------------, já qualificado nos autos em epígrafe, vem, no prazo legal, à presença de Vossa Excelência, apresentar RESPOSTA À ACUSAÇÃO, nos termos do art. 396 do Código de Processo Penal, o que faz consoante as razões que seguem.


1- PRELIMINARMENTE – Da adequação da sala de audiências ao processo acusatório

Como é cediço, com o abandono do sistema inquisitório e a adoção do acusatório, exigiu-se que as funções de acusar e julgar fossem realizadas por órgãos distintos. Outras de suas características essenciais são a equisdistância do juiz e a igualdade das partes, cujo reflexo é a paridade de armas.

Ocorre que a conformação atual da sala de audiências coloca o Magistrado e o presentante do Ministério Público Federal lado a lado e ambos em posição de superioridade física em relação aos demais atores envolvidos no processo. Dentro desse paradigma é que se procura debater a conformidade do atual modelo com o texto constitucional.

A primeira questão que deve ser analisada é se o Ministério Público, no processo penal, é parte.

Para definir parte, servimo-nos da lição de Humberto Theodoro Júnior, que, citando Liebman (Curso de Processo Civil, vol. I, pg. 84), assim leciona:

“Assim, para Liebman, “são partes do processo os sujeitos do contraditório instituído perante o juiz (os sujeitos do processo diversos do juiz, para os quais este deve proferir o seu provimento)”. Parte, portanto, em sentido processual, é o sujeito que intervém no contraditório ou que se expõe às suas consequências dentro da relação processual.”

Diante de tal definição e sabedouros de que mesmo na seara processual penal o parquet está vinculado ao contraditório, não há como negar a qualidade de parte do Ministério Público nessa esfera. Mas não é só!

  Há quem advogue a tese de que o Ministério Público não seria parte no processo penal, uma vez que sua atuação nessa seara decorre de um poder-dever de atuar objetivamente a vontade soberana da lei, logo, sua atividade não está vinculada a um direito subjetivo.

  Em contraposição a essa corrente, pedimos vênia, ainda, para transcrever as palavras de Guilherme de Souza Nucci, em sua obra Manual de Processo Penal e Execução Penal, p. 547:

“No art. 129, I, está prevista, como função institucional, a promoção, em caráter privativo, da ação penal pública, na forma legal. Por isso, ocupa, no processo penal, o Ministério Público a posição de sujeito da relação processual, ao lado do juiz e do acusado, além de ser também parte, pois defende interesse do Estado, que é a efetivação de seu direito de punir o criminoso”.(grifos nossos)


E continua o nobre autor, na mesma obra:

“Embora, atualmente, não lhe seja mais possível negar o caráter de parte imparcial, visto não estar obrigado a pleitear a condenação de quem julga inocente, nem mesmo de propor ação penal contra quem não existam provas suficientes, não deixa de estar vinculado ao pólo ativo da demanda, possuindo pretensões contrapostas, na maior parte das vezes, ao interesse da parte contrária, que é o réu, figurando no pólo passivo.” (grifos não originais).                       


Permitimo-nos, ainda, a mais uma comparação com o processo civil, na medida em que naquela seara, mesmo quando o réu reconhece a procedência do pedido, quando o autor renuncia ao direito sobre o qual se funda a ação ou desiste da ação proposta, não perdem, apenas por isso, a qualidade de parte.
 
Assim sendo, o simples fato de poder pleitear a absolvição do réu não pode levar à equivocada conclusão de que o Ministério Público não é parte no processo penal.

Por fim, desmascarando a tese que entende que o Ministério Público não é parte por não ter um interesse material na solução do caso - podendo, portanto, pleitear a absolvição do réu - é a lição de Aury Lopes Júnior (Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional, vol. II, p. 05):

“Como adverte GUASP, o processo penal é um autêntico processo de partes, sempre que o conceito de parte seja construído corretamente, com base na titularidade ativa e passiva de uma pretensão e não desacertadamente com base na pretendida contraposição de interesses materiais, que nem no processo civil nem no processo penal têm relevância.”
  “(….) Por conseguinte, a definição de partes deve ser elaborada a partir do objeto do processo penal, visto como a pretensão acusatória. Assim, são partes aquele que formula e aquele contra quem se formula a pretensão acusatória objeto do processo penal, segundo as formas previstas na norma processual penal e tendo como destinatário o órgão jurisdicional.”



Deste modo, a função de “custos legis” do Ministério Público está reservada para outras áreas que não a penal, como, por exemplo, no direito de família.

Superada a questão e convencidos da situação de parte, em sentido processual, do Ministério Público, passemos a analisar a conformidade constitucional do artigo 18, inciso I da LC nº 75/93, que assim dispõe:

 Art. 18. São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União:
  I - institucionais:
“a) sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares ou presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem;”
 

Quanto a tomar assento no mesmo plano e imediatamente à direita do magistrado é preciso verificar a que título este último figura no processo. Assim, diferentemente da acusação e da defesa, que, além de serem partes no processo penal, exercem a função de sujeitos processuais, é fato que o juiz só se apresenta nesta última qualidade para que, dessa forma, se constitua de maneira válida a relação jurídico-processual.

 Atuando nessa qualidade (sujeito processual), e para que tenhamos um julgamento justo e imparcial, é imperioso que aquele a quem se pleiteia o provimento jurisdicional esteja equidistante das partes.

Nesse diapasão, e para que assim se assegure a paridade de armas consagrada constitucionalmente, não deve ser tolerada qualquer interpretação da norma que leve ao entendimento de que o membro do parquet tenha assento “ombro a ombro” com o julgador, sob pena de afronta à já aventada imparcialidade do juiz e à imperiosa equidistância das partes.

Desse modo, traz-se para o plano físico a representação da igualdade consagrada no texto da Constituição, a fim de que os demais sujeitos processuais que não estão afeitos às peculiaridades do processo enxerguem no ato a ser praticado a realidade da jurisdição, ou seja, o juiz imparcial, equidistante das partes e estas em posição de paridade.

Dessa maneira, o acusado sente que seu defensor está em posição de igualdade com seu acusador, o que também ocorre com as testemunhas que prestarão depoimento. Aliás, esse o principal aspecto que se busca resguardar com o presente pleito. Evita-se, estando acusador e defensor no mesmo plano, quaisquer influências no ânimo dos depoentes, que visualizam as partes sem que uma se sobreponha à outra, representativamente.
     
 Neste caminhar, ao juiz deve ser assegurado, ainda, assento em patamar distinto em relação às partes para que, aos olhos do leigo (testemunhas, acusados e demais auxiliares da justiça), apresente-se a necessária distinção entre aqueles que contendem sobre uma determinada questão e aquele que decidirá a controvérsia.

Cumpre registrar, ainda, que é um dos princípios institucionais do Ministério Público previsto no artigo 127, §1º, da Constituição Federal o da unidade.

Com base nesse preceito, a Carta Magna, ao dispor sobre a organização do Ministério Público e para atender ao pacto federativo - que no Brasil tem caráter dual -, o compôs pelo Ministério Público da União (abrangendo o MPF, MPT, MPM e MPDFT) e pelo dos Estados, não deixando, todavia, de ser uma instituição única. Aliás, essa é a dicção dos incisos I e II do artigo 128 da Constituição Federal.

Dentro desse paradigma, aos membros do MPU e MPE devem ser asseguradas as mesmas prerrogativas. Desse modo, a única legislação que se adéqua ao modelo acusatório, garante a imparcialidade do Juiz e assegura a paridade de armas é o tanto quanto disposto no artigo 41, XI da Lei nº 8.625/93:

Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica:
(…)
XI - tomar assento à direita dos Juízes de primeira instância ou do Presidente do Tribunal, Câmara ou Turma;


Assim, qualquer disposição na sala de audiências que confira ao Ministério Público posição privilegiada em relação à defesa contrasta com a mensagem constitucional. Não se trata de vaidade pessoal ou mesmo de tratar a questão unicamente sob o prisma das prerrogativas dos membros das instituições. Ao contrário, toda forma inerente ao processo tem uma razão de existir, logo, não foi sem propósito a alteração legislativa da LC nº 80/94, promovida pela LC nº 132/09, que assegurou aos membros da Defensoria Pública tomar assento no mesmo plano do Ministério Público.

Isso posto, a defesa requer a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, em caráter incidental, do artigo 18, I da Lei n. 75/93, reservando-se, na audiência a ser designada, ao ilustre presentante do MPF o assento onde hoje está destinado à defesa e, via de consequência, permitindo que a DPU sente-se ao lado esquerdo do douto magistrado e à frente do(a) nobre Procurador da República, assim como ocorre na Justiça Estadual.

Saliente-se, por derradeiro, que a inobservância do modelo proposto, porque afronta o processo penal acusatório consagrado pela Constituição, enseja a nulidade do ato, na medida em que a disposição da sala de audiências, onde a acusação permanece em posição diferenciada e superior à da defesa, retrata uma desigualdade, inadmissível no processo hodierno.

Termos em que,
Pede deferimento.
São Paulo, data supra.



ANTONIO ROVERSI JÚNIOR
                      Defensor Público Federal

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