Compartilhamos com os colegas advogados que atuam perante a Justiça Federal uma peça gentilmente cedida pelo Dr ANTONIO ROVERSI JÚNIOR Defensor Público Federal, que questiona a disposição cênica da sala de audiências para que encampem o movimento pela repersentação de um processo penal democrático e acusatório.
EXMO.(A) SR.(A) JUIZ(A) FEDERAL DA 5ª VARA
CRIMINAL DA 1ª SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Autos n°
A DEFENSORIA PÚBLICA DA
UNIÃO, na defesa dos interesses
de --------------------, já qualificado nos autos em epígrafe, vem, no
prazo legal, à presença de Vossa Excelência, apresentar RESPOSTA À
ACUSAÇÃO, nos termos do art. 396 do Código de Processo Penal, o que
faz consoante as razões que seguem.
1- PRELIMINARMENTE – Da adequação da sala de
audiências ao processo acusatório
Como
é cediço, com o abandono do sistema inquisitório e a adoção do acusatório,
exigiu-se que as funções de acusar e julgar fossem realizadas por órgãos
distintos. Outras de suas características essenciais são a equisdistância do
juiz e a igualdade das partes, cujo reflexo é a paridade de armas.
Ocorre
que a conformação atual da sala de audiências coloca o Magistrado e o
presentante do Ministério Público Federal lado a lado e ambos em posição de
superioridade física em relação aos demais atores envolvidos no processo.
Dentro desse paradigma é que se procura debater a conformidade do atual modelo
com o texto constitucional.
A
primeira questão que deve ser analisada é se o Ministério Público, no processo
penal, é parte.
Para
definir parte, servimo-nos da lição de Humberto Theodoro Júnior, que, citando
Liebman (Curso de Processo Civil, vol. I, pg. 84), assim leciona:
“Assim,
para Liebman, “são partes do processo os sujeitos do contraditório instituído
perante o juiz (os sujeitos do processo diversos do juiz, para os quais este
deve proferir o seu provimento)”. Parte, portanto, em sentido processual, é o
sujeito que intervém no contraditório ou que se expõe às suas consequências
dentro da relação processual.”
Diante
de tal definição e sabedouros de que mesmo na seara processual penal o parquet
está vinculado ao contraditório, não há como negar a qualidade de parte do
Ministério Público nessa esfera. Mas não é só!
Há quem advogue a tese de que o Ministério
Público não seria parte no processo penal, uma vez que sua atuação nessa seara
decorre de um poder-dever de atuar objetivamente a vontade soberana da lei,
logo, sua atividade não está vinculada a um direito subjetivo.
Em contraposição a essa corrente, pedimos
vênia, ainda, para transcrever as palavras de Guilherme de Souza Nucci, em sua
obra Manual de Processo Penal e Execução Penal, p. 547:
“No
art. 129, I, está prevista, como função institucional, a promoção, em
caráter privativo, da ação penal pública, na forma legal. Por isso, ocupa,
no processo penal, o Ministério Público a posição de sujeito da relação
processual, ao lado do juiz e do acusado, além de ser também parte, pois
defende interesse do Estado, que é a efetivação de seu direito de punir o
criminoso”.(grifos nossos)
E
continua o nobre autor, na mesma obra:
“Embora,
atualmente, não lhe seja mais possível negar o caráter de parte imparcial,
visto não estar obrigado a pleitear a condenação de quem julga inocente, nem
mesmo de propor ação penal contra quem não existam provas suficientes, não
deixa de estar vinculado ao pólo ativo da demanda, possuindo pretensões
contrapostas, na maior parte das vezes, ao interesse da parte contrária, que é
o réu, figurando no pólo passivo.” (grifos não originais).
Permitimo-nos,
ainda, a mais uma comparação com o processo civil, na medida em que naquela
seara, mesmo quando o réu reconhece a procedência do pedido, quando o
autor renuncia ao direito sobre o qual se funda a ação ou desiste da
ação proposta, não perdem, apenas por isso, a qualidade de parte.
Assim
sendo, o simples fato de poder pleitear a absolvição do réu não pode levar à
equivocada conclusão de que o Ministério Público não é parte no processo penal.
Por
fim, desmascarando a tese que entende que o Ministério Público não é parte por
não ter um interesse material na solução do caso - podendo, portanto, pleitear
a absolvição do réu - é a lição de Aury Lopes Júnior (Direito Processual
Penal e sua conformidade constitucional, vol. II, p. 05):
“Como
adverte GUASP, o processo penal é um autêntico processo de partes, sempre que o
conceito de parte seja construído corretamente, com base na titularidade ativa
e passiva de uma pretensão e não desacertadamente com base na pretendida
contraposição de interesses materiais, que nem no processo civil nem no
processo penal têm relevância.”
“(….) Por conseguinte, a definição de
partes deve ser elaborada a partir do objeto do processo penal, visto como a
pretensão acusatória. Assim, são partes aquele que formula e aquele contra
quem se formula a pretensão acusatória objeto do processo penal, segundo as
formas previstas na norma processual penal e tendo como destinatário o órgão
jurisdicional.”
Deste
modo, a função de “custos legis” do Ministério Público está reservada
para outras áreas que não a penal, como, por exemplo, no direito de família.
Superada
a questão e convencidos da situação de parte, em sentido processual, do
Ministério Público, passemos a analisar a conformidade constitucional do artigo
18, inciso I da LC nº 75/93, que assim dispõe:
Art. 18. São prerrogativas dos membros do
Ministério Público da União:
I - institucionais:
“a)
sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares ou
presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem;”
Quanto
a tomar assento no mesmo plano e imediatamente à direita do magistrado é
preciso verificar a que título este último figura no processo. Assim,
diferentemente da acusação e da defesa, que, além de serem partes no processo
penal, exercem a função de sujeitos processuais, é fato que o juiz só se
apresenta nesta última qualidade para que, dessa forma, se constitua de maneira
válida a relação jurídico-processual.
Atuando nessa qualidade (sujeito processual),
e para que tenhamos um julgamento justo e imparcial, é imperioso que aquele a
quem se pleiteia o provimento jurisdicional esteja equidistante das partes.
Nesse
diapasão, e para que assim se assegure a paridade de armas consagrada
constitucionalmente, não deve ser tolerada qualquer interpretação da norma que leve
ao entendimento de que o membro do parquet tenha assento “ombro a
ombro” com o julgador, sob pena de afronta à já aventada imparcialidade do juiz
e à imperiosa equidistância das partes.
Desse
modo, traz-se para o plano físico a representação da igualdade consagrada no
texto da Constituição, a fim de que os demais sujeitos processuais que não
estão afeitos às peculiaridades do processo enxerguem no ato a ser praticado a
realidade da jurisdição, ou seja, o juiz imparcial, equidistante das partes e
estas em posição de paridade.
Dessa
maneira, o acusado sente que seu defensor está em posição de igualdade com seu
acusador, o que também ocorre com as testemunhas que prestarão depoimento.
Aliás, esse o principal aspecto que se busca resguardar com o presente pleito.
Evita-se, estando acusador e defensor no mesmo plano, quaisquer influências no
ânimo dos depoentes, que visualizam as partes sem que uma se sobreponha à
outra, representativamente.
Neste caminhar, ao juiz deve ser assegurado,
ainda, assento em patamar distinto em relação às partes para que, aos
olhos do leigo (testemunhas, acusados e demais auxiliares da justiça),
apresente-se a necessária distinção entre aqueles que contendem sobre uma
determinada questão e aquele que decidirá a controvérsia.
Cumpre
registrar, ainda, que é um dos princípios institucionais do Ministério Público
previsto no artigo 127, §1º, da Constituição Federal o da unidade.
Com
base nesse preceito, a Carta Magna, ao dispor sobre a organização do Ministério
Público e para atender ao pacto federativo - que no Brasil tem caráter dual -,
o compôs pelo Ministério Público da União (abrangendo o MPF, MPT, MPM e MPDFT)
e pelo dos Estados, não deixando, todavia, de ser uma instituição única. Aliás,
essa é a dicção dos incisos I e II do artigo 128 da Constituição Federal.
Dentro
desse paradigma, aos membros do MPU e MPE devem ser asseguradas as mesmas
prerrogativas. Desse modo, a única legislação que se adéqua ao modelo
acusatório, garante a imparcialidade do Juiz e assegura a paridade de armas é o
tanto quanto disposto no artigo 41, XI da Lei nº 8.625/93:
Art.
41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de
sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica:
(…)
XI
- tomar assento à direita dos Juízes de primeira instância ou do
Presidente do Tribunal, Câmara ou Turma;
Assim,
qualquer disposição na sala de audiências que confira ao Ministério Público
posição privilegiada em relação à defesa contrasta com a mensagem constitucional.
Não se trata de vaidade pessoal ou mesmo de tratar a questão unicamente sob o
prisma das prerrogativas dos membros das instituições. Ao contrário, toda forma
inerente ao processo tem uma razão de existir, logo, não foi sem propósito a
alteração legislativa da LC nº 80/94, promovida pela LC nº 132/09, que
assegurou aos membros da Defensoria Pública tomar assento no mesmo plano do
Ministério Público.
Isso
posto, a defesa requer a declaração de inconstitucionalidade sem redução de
texto, em caráter incidental, do artigo 18, I da Lei n. 75/93, reservando-se,
na audiência a ser designada, ao ilustre presentante do MPF o assento onde hoje
está destinado à defesa e, via de consequência, permitindo que a DPU sente-se
ao lado esquerdo do douto magistrado e à frente do(a) nobre Procurador da
República, assim como ocorre na Justiça Estadual.
Saliente-se,
por derradeiro, que a inobservância do modelo proposto, porque afronta o
processo penal acusatório consagrado pela Constituição, enseja a nulidade do
ato, na medida em que a disposição da sala de audiências, onde a acusação
permanece em posição diferenciada e superior à da defesa, retrata uma
desigualdade, inadmissível no processo hodierno.
Termos em que,
Pede deferimento.
São Paulo, data supra.
ANTONIO ROVERSI JÚNIOR
Defensor Público
Federal
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